Eu tenho a solução para Portugal.
Eu não sou um iluminado. Mas também não sou parvo nem cagão. O problema do défice de Portugal (e de todas as sociedades tentando-ser-contemporâneas, mas aqui está em causa Portugal) é a ilusão do crescimento.
Não sou parvo nem cagão porque fui das primeiras pessoas em Portugal a usar telemóvel mas já não uso há catorze anos. Porque quis viajar e conhecer o mundo e o fiz à boleia. Porque exijo conforto mas prescindo de água quente e do automóvel na cidade. Em suma: tenho uma indiscutível qualidade de vida, como não podia deixar de ser numa sociedade tão evoluída como aquela aonde o ser humano chegou há cento e cinquenta anos, falando da Europa, mas não tenho nada do que é institucionalmente suposto para ter qualidade de vida.
Quando a polis chegou ao apogeu gaussiano do crescimento, iniciou o inevitável delapidar do conhecimento acumulado, uma desvirtuação da paixão pela vida e um enaltecimento da cobardia perante o sofrimento e a morte. Quem sabe o que é a terra e a força das mãos, sabe que apenas a loucura da alienação pelos signos,tendenciosamente manipulados pelos instituidores da injustiça, pode levar à desilusão num mundo com tantas razões para nos trazer a felicidade.
Os iluminados, vejo-os escreverem artigos de opinião nos jornais, recorrendo a números e estatísticas, mexendo em todas as variáveis da equação para concluírem que isto está assim desde as revoluções liberais e que não há volta a dar-lhe. Depois, refastelam-se na poltrona e ficam a olhar embevecidos para o ensaio, que vem alimentar o amontoado de inutilidades que se escrevem sobre o assunto. Pergunto-lhes: onde se encontra uma só solução (ou mera sugestão, uma esperança ao menos) nesses textos? Esses textos pretendem ser o apocalipse reescrito, mas desta vez visto do camarote? Será que não percebem que se esqueceram de jogar com uma das variáveis?
Essa variável que poucos ousam influenciar é o resultado. Para eles, o resultado tem de ser sempre maior do que a soma das partes. Um aforismo, já tão citado que se tornou parte do domínio público, refere: quem acredita no crescimento continuado, ou é um louco ou um economista. Isto é óbvio para qualquer ser pensante mas, paradoxalmente, a maioria dos seres pensantes de hoje vive em oposição com esta evidência. Esse engano tem uma razão: a economia não é uma ciência, é muito mais próxima de uma religião que recorre aos mais sofisticados instrumentos da sedução publicitária para iludir os seus acólitos. Uma religião que nos castiga pela miséria dos nossos pecados de sermos incapazes de viver sem ar. Uma ciência nunca se guia por dogmas, como o dogma do crescimento. Por isso, em lugar de deduzirem leis através da observação da realidade, os economistas distorcem a realidade de forma a obedecer às suas leis. Está explicado: é simplesmente isto que se passa.
Todas as ideologias partidarizadas da actualidade defendem esta patranha do crescimento. Seja ele através do investimento público, da liberalização do mercado ou da demagógica confiança na criatividade da população. Demagógica porque esta população só quer é signos. Signos daqueles que significam que "este bocado de papel vale vinte vacas". Após ser retirado o valor ao físico e ao transmutá-lo para a sua representação, são queimadas as vacas alegando que estão loucas, quando é o homem como sociedade que se encontra profundamente doente.
Eu considero que qualquer uma destas vias leva, com maior ou menor velocidade, a uma parede de betão.
Talvez, no fundo, seja essa a única solução, a desintegração contra a parede de betão, de forma a ficar tudo em cacos. Aí sim, reencontraremos de novo o prazer da vida no acto de reunir as peças e de lhes reencontrar o sentido, que nunca é atingido quando nos são dadas as coisas já feitas. Como em qualquer processo cultural, começaríamos pelas crianças, que hoje não têm direito a construír os seus brinquedos. São tratadas como mentecaptas e inúteis, nunca responsabilizadas pela sua acção sobre o seu destino, a quem tudo é dado sem esforço para posteriormente perseguirem as ilusões de criança.
Crescimento é oposto a sustentabilidade. Crescimento sustentável é uma antinomia, nomeadamente perante a desequilibrada balança eco-social na qual nos encontramos. Sem sustentabilidade só sobrevivem os mais fortes, como na selva. Os mais fortes são, por isso, quem divulga estas soluções, como se elas fossem as únicas. São, de facto, as únicas que lhes dão cada vez mais poder e que cavam mais o fosso entre eles e os mais pobres.
Estudemos a história e veremos que uma revolução é inevitável, com os ingredientes já antes testados da prepotência de uns e da tomada de consciência dos outros. Adiar a inversão é aumentar a carga explosiva e só um orgulho criminoso o justifica.
Proponho, assim, que Portugal saia do Euro, decida que as dívidas ao estrangeiro sejam cobradas no inferno, consequentemente se iniba de pedir mais empréstimos e de importar aquilo que não necessita, se reactive o solo, a água e o ar português, dando trabalho a toda a população e, sobretudo, se criem condições para que renasça o orgulho, a alegria e o des-sufoco de tomarmos o destino nas nossas mãos.
Falando muito a sério, a única utopia desta proposta é a de arriscarmos uma invasão militar norte americana a convite dos nossos banqueiros.
21 de setembro de 2012